domingo, 10 de janeiro de 2010

Entrevista Especial: Professor Carlos Rogério Duarte


O professor de literatura paulistano Carlos Rogério Duarte é um dos grandes pensadores, e agora produtor de eventos da música independente nacional, organizando o evento Mais (+) Massa. Além disso, ele é responsável pela produção dos textos dos blogs www.ametricadogrito.blogspot.com, www.restosefragmentos.blogspot.com;como também do http://identidademusical.com.br/blog/ (junto com Tiago Barizon, que é músico, DJ ecomunicador). Conheça mais sobre o grande Carlos Rogério Duarte nessa entrevista exclusiva.

Além de professor, você é um grande blogueiro e agora produtor do projeto +Massa. Fale sobre essas atividades? E a repercussão de cada uma?


Ser blogueiro foi a forma que encontrei de dar vazão à montanha de ideias e análises que eu tinha na cabeça. Até dava para escrever textos acadêmicos, mas a repercussão que eles encontram entre o público é bem menor. Dei a sorte de conhecer o Clemente e o pessoal do Showlivre, que me deram espaço para escrever a coluna A Métrica do Grito, que virou blog. Paralelamente, reencontrei o Tiago Barizon, amigo da época do colegial, e comecei a escrever no site da Identidade Musical, que acabava de começar.

A repercussão dos textos que escrevo sempre foi muito boa, principalmente entre os próprios músicos cujas canções eu comento. É uma alegria quando alguém da banda vem me dizer que adorou o texto, que "era aquilo mesmo que eu tinha pensado". Os textos, para o padrão da internet, são longos, talvez teóricos demais, mas as pessoas leem e comentam mesmo assim. Acho que o público e as bandas sempre quiseram textos mais analíticos, mas o jornalismo musical, não sei bem por que, parece evitá-los. A gente lê as revistas de música e a conversa é sempre a mesma: a banda tal está em estúdio, circulou, lançou CD; o integrante namorou não sei quem, escândalos de fim das bandas, reconciliações etc. Tudo isso é notícia, mas falta análise - e vários blogs ocupam essa lacuna, não só o meu. O seu também é um deles.

Depois que os textos começaram a ter vários acessos, aconteceu o seguinte: fascinei-me cada vez mais com as bandas que eu ia conhecendo - Los Porongas e Madame Saatan, por exemplo. Descobri que, se ficasse apenas na sala de aula, eu perderia o bonde da história do rock brasileiro. Propus ao Barizon para participar mais da Identidade Musical, da qual acabei me tornando sócio, tal foi meu envolvimento. Continuo lecionando, mas agora num ritmo bem menor.

Finalmente, o Mais Massa. Aconteceu que o Diogo dos Los Porongas me ligou um dia, pedindo que fosse à casa dele aqui em São Paulo. Nós tínhamos nos aproximado exatamente por causa do texto que eu escrevera (aliás, inspirado num texto teu, Sidney) sobre os Los Porongas. Sempre trocávamos ideias, nos botecos e casas noturnas da Rua Augusta, sobre fazer a cena independente acontecer com mais vigor em São Paulo. Pois bem, um dia de outubro de 2009, Diogo me ligou, já em contato amplo e com parceiras com o pessoal do Madame Saatan, Volver, Sonso, Jardim das Horas e Saulo Duarte e a Unidade, dizendo que queriam ajuda para criar um projeto de circulação e parceria que envolvesse bandas de fora de São Paulo, todas morando por aqui. Topei contribuir, por meio da Identidade Musical e de uma produtora parceira, a Punksaravá, em termos de agendamento, divulgação e conceituação do projeto - esta última é a parte de que mais gosto, de criar ideias, como os conceitos de ressignificação do trânsito de São Paulo, de geografia lendária da canção, além do aparecimento do fantasma do Mário de Andrade, ilustrando o paulistano que recebe as bandas de fora de São Paulo.

O resultado, de outubro a novembro: dez espetáculos em três casas diferentes de São Paulo. Os músicos participam uns dos shows dos outros, abrem o palco para participantes de outras bandas, como Marcelo Vourakis, do Supergallo, Tiago Cardelli, dos Visitantes e - apresentação histórica - Gerson Conrad, dos Secos & Molhados, que tocou com o Sonso. Recebemos a banda argentina Rosario Smowing, também, que deu um puta espetáculo no Cidadão do Mundo, em São Caetano.

Por essas e outras, o Mais Massa repercutiu fora da cidade. Recebemos semanalmente a ligação de várias bandas que querem participar do projeto, na maioria das vezes de outras cidades. E que fique claro: o Mais Massa quer circular e quer fazer circular, sem ser panelinha. Já teremos o primeiro espetáculo de 2010 com uma participação internacional, o argentino Simja Dujov, que abre para O Jardim das Horas, quinta-feira, dia 14 de janeiro, na Livraria da Esquina, casa que comprou a ideia do projeto desde o primeiro instante. Mas queremos abrir espaço para bandas do Brasil inteiro tocarem em São Paulo, estamos à cata de parcerias e de patrocínio. Ao mesmo tempo, queremos botar o Mais Massa pra rodar, sobretudo nas cidades dos integrantes das bandas.


O que você poderia destacar da música independente no Brasil? E no Pará?

Olha, Sidney, tem uma coisa complicada que é a seguinte: talvez seja impossível mapear a música independente do Brasil todo. Cada um de nós que trabalha com a música independente tem um recorte daquilo que consegue ouvir e assimilar, porque existem inúmeras bandas por aí, muitas trabalhando com bastante afinco. Não dá pra ouvir e conhecer tudo - aliás, acho que temos de parar com essa pretensão. Melhor é ouvir com qualidade, sem pressa, para poder entender as propostas. E degustá-las: se a audição da música não tiver desfrute estético, então a música acaba virando mais um produto, e voltaremos à lógica das grandes gravadoras. Antes de ser produto, música é arte, e precisa ser tratada como tal.

Então, sem a pretensão de criar a lista dos "melhores", cito os trabalhos que mais me agradaram nos últimos tempos: Anacrônica; Banda Dissidente; Buon Giorno Luamada, que descobri na lista dos melhores de 2009 da Trama Virtual; Caldo de Piaba; Carfax; Cérebro Eletrônico; Dilei, do cast da Identidade Musical; Eddie; Kristoff Silva; Lucas Santtana, também da lista da Trama; Maltines; Mamma Cadela; Neto Lobo e a Cacimba; Mugo; Nosotros, também do cast da Identidade Musical; O Sonso; Aguarraz, Porcas Borboletas; Rômulo Fróes; Saulo Duarte e a Unidade; Volver; o trabalho solo de Zeca Viana, baterista do Volver. E certamente me esqueci de gente boa, além de faltarem trabalhos que não conheço. Te dou um furo: em 2010, vai pintar uma banda nova aqui de Sampa, o Pappas Palace, lançando um EP com participações de Sammliz, do Madame, e do Clemente, dos Inocentes, logo de cara.

Deixei de lado, é evidente, as bandas que são maravilhosas, mas que já estão "super-bombadas": o Macaco Bong, o Vanguart e o Cidadão Instigado, por exemplo, é desnecessário citar.

No Pará, além do Madame Saatan, de que sou fã demais, vejo Johny Rockstar, Delinquentes (a que eu queria muito assistir ao vivo, trazer para SP), Vinil Laranja e StereoScope. Lamentei muito o fim d'A Euterpia, que você mesmo me apresentou: acho que o trabalho deles ainda vai ser muito lembrado num futuro próximo. Mas o que estou ouvindo muito, depois de ter visitado Belém é o Mestre Verequete, que eu não conhecia e adorei. Já escrevi que o Pará me parece ser uma grande meca da canção independente. Foi o que vi quando estive por aí na semana passada.


Quais são os teus próximos projetos?

Primeiro, tocar as Noites do Bem e o Projeto Mais Massa com todo o afinco, para aquecer a cena de São Paulo. A cidade deve ferver neste ano, parece que todo o mundo que trabalha na cena resolveu que 2010 tem de ser inesquecível; talvez este ano oriente mais ou menos o que vai rolar daqui pra frente. Queremos também estreitar os laços internacionais, especialmente com a América Latina, em que uma banda do nosso cast, o Dilei, já fez tour.

Além disso, a Identidade Musical vai dar continuidade ao Mapa Musical, que nos parece fundamental para podermos identificar oportunidades e traçar estratégias de ação no mercado independente de música nos próximos dois anos, pelo menos. O blog segue a todo vapor. Em termos pessoais, estou em pesquisa de doutorado sobre um roqueiro português, o António Variações: essa pesquisa me dá muito material pra pensar nas relações entre o rock e países de língua portuguesa. Também sigo dando aula.


Leia os Blogs
www.identidademusical.com.br/blog
www.maismassa.com.br
http://restosefragmentos.blogspot.com
http://ametricadogrito.blogspot.com

2 comentários:

  1. Sensacional entrevista!!! Em março estarei no Brasil para ver esses projetos de perto!!

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  2. Muito "massa" que existam figuras desse naipe dando força ao cenário independente lá fora e até aqui mesmo. Uma pena não tê-lo conhecido quando esteve poraqui, mas oportunidades não faltarão. E valeu a citação.

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